Eles me chamam de salvador. Quem os protege, guarda, lidera e auxilia. Eles glorificam e exaltam quando eu trago conquistas, posses, atitudes e encorajamento. Sempre passam a sensação que precisam do "salvador" mais do que nunca, de que sem eu, viver seria um constante sentimento de sofrimento e trevas.
Eles me chamam de luz. Sabe, aquela que geralmente está lá longe, bem no final do túnel? Aquela que purifica, que dá conforto e paz. Eles me embrulham e me vestem com quem eles esperam que eu seja, com quem eu não sou, com quem eles afirmam precisar ter envolta. Eles me acorrentam aos ideias que eles mesmo criaram em mim.
Acorrentam-me as expectativas, sonhos, esperanças, alegria, fé e admiração deles. Uma vez que, no exagero, tudo isso se torna ilusório, mas eu sabia que tinha que ser forte... Então construí uma casa com todas as fraquezas, dores, medos, agonias, tristezas e sofrimentos não só meus, mas de todos. Fiz questão de esconder me esconder lá dentro, por medo de ter o meu Ser corrompido.
Entre meu ser e a casa eu coloquei minha utopia. É nela onde se encontra minha reação criativa, minha floresta escura, minhas construções e certezas e meu caleidoscópio de instintos que se desdobram em ideias sem forma, sem beleza, sem padrão e sem noção de bem ou mal. E, claro, a porta amarela e de fechos dourados onde protejo meu Ser.
O único problema é que se eu que protejo todos, quem que me protege? Quem que me guarda, lidera e auxilia? Quem é minha luz? Quem me dá conforto e paz? Eu mesmo. A sensação é aquele vazio solitário, esdrúxulo se contorcendo, gritando e gemendo sem fim. E cada vez que é depositado mais expectativas em mim, eu cada vez mais vou afundando e me perdendo entre as árvores sombrias.
Floresta úmida, de galhos tortos, promíscua seduz à minha insanidade. A onde eu posso ser quem eu sou e quem eu realmente quero ser, onde a terra é vermelha do fogo que habita em mim, onde o orvalho é o gozo leve e delicado do desprender! É a onde encontro a liberdade e a chave da minha porta, a chave das minhas inseguranças.
Mas meu Ser é selvagem, é de viagem, é de paisagens bucólicas e é das cores que refletem no mundo. Não se contenta apenas em liberdade provisória e nem em ficar preso em uma gaiola de imposição social. E agora? Salvador versus Ser, quem é mais importante se ter? Devo me vestir mais ou me despir dessas amarras? Devo me esvaziar ou me transbordar?
Eu não sei mais de nada, eu não entendo mais o que dizem, nem o que fazem... Eu me perdi no meio dessa decisão, no meio do meu caleidoscópio que nunca parece parar de girar. Girando e girando, uma hora o fluxo decide sozinho, isso seria aceitar qualquer coisa que o destino quiser? Ou seria uma outra manipulação?
Eu preciso disso mais do que nunca, ser o meu próprio salvador e minha própria luz. Eu preciso ser quem eu sou e não quem eles querem que eu seja. Eu preciso me despir assim, quebrando minhas amarras, rasgando os laços sociais apertados, descalçando os fardos alheios e pesados. Eu preciso desprender minhas asas e voar, assim, ao infinito libertador: meu verdadeiro lar.